Thursday, January 25, 2007

Gravidade

Hoje acordei com uma enorme dor de cabeça. O peso insuportável que expandia pouco a pouco pela massa cinzenta do meu crânio, preparava o assalto final aos meus olhos, vermelhos de angústia e preocupação. O desânimo cresce no meu peito, vislumbrando um final pouco feliz para esta saga surreal que é a minha existência sobre a Terra. Penso na fome cada vez mais exponencial em África. Liberto-me e imagino dias sem fim de tortura em campos de rosas, vermelhas pela ingenuidade do momento. Penso naquele telefone, mudo, que teimava em difundir uma voz familiar e amiga. Aquela voz era segura. Aquela voz trazia paz. Pondero vezes sem conta o porquê da falta de paixão, questiono-me, também, sobre a ausência de vitalidade. Transpiro ácido por todos os poros do meu corpo. Por alguma razão desconhecida, mantenho o corpo intacto, contudo, transfigurando o cerne do meu ser. O meu poder intelectual diverge do equilíbrio do meu momento. Sinto que falta algo, embora saiba que já tenho tudo. O meu cubículo é o meu refúgio. Controlo o meu exército com o piscar de um olho e o acenar de uma cabeça. Armo-me de amor, carinho e traição. Recordo as vezes que me mentiram e dilaceraram o meu coração. Grito para o fundo do túnel mas não oiço o eco da minha vocalização rude e nasal, apenas o barulho ensurdecedor do silêncio. Estou a ficar paranóico. Vejo caras uniformes, produzidas em série, com olhares discriminadores. Os seus cães, cegos de nascença, debatem-se com o trauma dos restantes sentidos. O meu sangue, podre de enganos, é a tentação no jardim do Éden, que penetra as fossas nasais de um criador menor e burocrático. Roço a mitologia ao ver o meu fígado ser dissecado por um corvo, enquanto os meus membros nus recolhem o prazer vindo do aperto isolador da corda à volta do meu pescoço.
O telefone toca com uma sonoridade provocatória. Atendo à terceira. A tua voz traz uma lembrança de déjà vu. Perco-me no teu léxico. Aquela voz era segura. Aquela voz trazia paz.

1 comment:

Sunshine said...

Adorei este texto... nota-se que vem das profundezas da tua alma...

Em relação á voz, ela existe na vida de cada pessoa... aquela voz estável que faz com que tudo faça sentido. Procuramos-na sempre que parecemos dar em loucos... Normalmente é o unico número de telemóvel que sabemos de cor.