Wednesday, December 23, 2009

Eu, a morte



É mais uma noite provocante e gelada no meu reino obscurecido do submundo, onde nada entra, não por não o desejar mas porque tudo foge de mim com uma espontaneidade reflexa e natural. Havia um tempo em que as minhas prioridades eram óbvias e boas, contudo, partilhava essas prioridades comigo mesmo. Jamais fui e sou prioridade de outrem, jamais sou desejado, amado, querido, admirado, venerado e digno de sacrifícios. Pus tanta esperança num ser de esterco, como o é o ser humano, que a queda foi tão grande e irrecuperável que morri.
Agora estou sozinho, com o coração em fragmentos aguçados, que me perfuram os membros já dilacerados por tramas e conspirações indecifráveis. Eu, a morte, vivo neste local solitário e de lágrimas infinitas, longe dos risos e da felicidade de um mundo que me deixou à parte e me ignorou com uma tal convicção que não tive força para argumentar.
Deixo este texto, como resposta a tudo e todos que tentaram salvar a minha alma condenada e aos que ajudaram na sua convicção. Obrigado por tudo, bom e mau. Embora esteja morto psicologicamente, ainda aguardo a minha morte humana. Como não tenho prazo para que aconteça, despeço-me já, porque no fundo sinto que na última hora será demasiado tarde.
Vivam bem, mas cuidado com as prioridades: elas nunca coincidem.

Tuesday, November 03, 2009

Contradições

O que é ser nobre?
Será um título hierarquizado
Ou um posto estereotipado?

O que é ser culto?
Será a junção da sabedoria
Ou uma simples anomalia?

O que é querer?
Uma vontade impulsiva
Ou um anseio irrefutável?

O que é gostar?
Um afecto impensável
Ou uma sensação adorável?

O que é desejar?
Um capricho do mimado
Ou um dom jamais falado?

O que é pensar?
Recordar os teus actos
Ou perder-me nesses factos?

O que é sonhar?
Adormecer feliz
Ou rir sempre que sorris?

O que significam estes versos?
Que gosto de ti
Que fazes parte dos meus pensamentos,
Dos meus sonhos, da minha sabedoria,
Do meu afecto, da minha alegria.
Em suma, fazes parte de mim,
Logo não consigo, nem quero, me desprender de ti.
Obrigado por aqueceres este espaço,
Habitado pelo meu coração

Tuesday, October 27, 2009

Filosofias


“Sou o que sou”. Sempre achei esta expressão um cliché de muito mau gosto, um pouco como o vulgar “Quem espera sempre alcança” ou o “Quem espera desespera”. Todos sabemos que esperar é inútil, alcançar algo é surreal e desesperar é algo intrínseco ao idiota do Ser Humano. Somos o que somos porque somos diferentes mas iguais. Diferentes geneticamente, mas iguais na parvoíce e ignorância que é viver. Passamos as nossas vidas numa infindável e ambiciosa busca por algo que não existe: a compreensão. Seguimos pela vida sendo simpáticos porque pensamos que a amizade é a salvação dos nossos problemas e que estes realmente se importam connosco. Passamos anos escondidos na nossa timidez em vez de arriscar falar com a moça de quem gostamos, para, anos depois, sabermos que ela afinal também gostava de nós. Não brigamos porque não queremos confusões, não bebemos porque não queremos ir para o hospital, não fumamos porque não queremos ficar alucinados, não rimos porque gozam de nós. Vivemos num mundo de moralidades descabidas e não passamos de máquinas imperfeitas. Aliás, não somos máquinas porque sentimos e sentir é ser FRACO. Gostar deixa-nos fracos, irracionais e distraídos com o mundo. Ficamos com a egocêntrica sensação de que tudo gira à nossa volta e que tudo é perfeito numa encenação multimilionária enfeitada pela nossa mente. Eu próprio sou fraco, porque penso, porque sou diferente do resto do mundo e questiono tudo e todos. Sou honesto, directo e conveniente. Sou o que sou porque gosto de sê-lo e mereço ser assim. O resto são distracções.

Wednesday, October 21, 2009

Saudades


Tenho saudades dos teus olhos quando brilham ao luar
Tenho saudades do teu riso que perfuma o meu ar
Tenho saudades da tua face clara como o dia
Tenho saudades do teu cabelo rebelde quando o via

Tenho saudades da tua alma que protege o meu ser
Tenho saudades do teu carinho mesmo sem o ter
Tenho saudades da tua mente rica em saber
Tenho saudades daquela estrela que só tu sabes ver

Tenho saudades das palavras que sobre ti insiste
Tenho saudades do silêncio que em ti persiste
Tenho saudades da harmonia das tuas melodias
Tenho saudades de pensar nas tuas romarias

Tenho saudades de dizer tudo o que eu quero
Tenho saudades de saber que por ti espero
Tenho saudades de sonhar noites acordado
Tenho saudades de viver assim atrapalhado

Tenho saudades de ter saudades tuas
Tenho saudades de ver aquelas luas
Tenho saudades de saudades de saudades de si
Tenho saudades nina, estou triste sem ti.

Tuesday, October 13, 2009

Melodia

O som da tua voz no silêncio do meu quarto
A melodia silenciosa no momento em que parto
A perfeição desajeitada com que praticas o teu culto
Claustrofobia consistente com o vazio do meu vulto

Tropeço no acorde monocórdico do instrumento
Instantâneo e envolto na melancolia do momento
As histórias eternas cobertas de moralidades
As filosofias imprevistas e as tuas veracidades

A complexidade subjacente em que tudo é tão certo
A simples revolta de não te ter aqui tão perto
Os teus olhos penetrantes na inocência que só tu és
Os cabelos enlaçados que percorrem o revés

No início da clausura destas letras encantadas
Pela luz daquelas estrelas sempre tão pautadas
Pondero serenamente os dilemas que eu quis
Talvez possa dizer que ao pensar em ti eu sou feliz.

Thursday, October 08, 2009

Preâmbulo

Não confio nas palavras. São demasiado fáceis. São facilmente conquistadas, são profundamente telepáticas. Metem nojo quando ditas por ignorantes e dão saudades quando são ditas por ti. Juntas causam ainda mais espanto e nostalgia do que sozinhas. São nasais mas também fluidas. De qualquer forma são o que são e por existirem metem respeito mesmo que grande parte delas sejam irrelevantes. Quando não as usamos ficamos constrangidos e irrequietos. Ao não as proferir definem-nos de amuados, hipócritas, antipáticos ou até psicopatas, mas se as dissermos somos irracionais, insensíveis e estranhos. Na nossa essência não conseguimos estar calados, então falamos pelos cotovelos. Quando ninguém suporta ouvir-nos, falamos sozinhos, para nós mesmos, ou até para insanos amigos imaginários.
De igual forma, não confio nos sentimentos. Talvez mais do que não confio nas palavras. Ambas estão ligadas e ambas nos deixam num estado de êxtase picuinha, logo ridículo, lamechas e irreal. O que me salva é que falo muito, logo faço parte do grupo dos insensíveis e irracionais, jamais no dos hipócritas.

Thursday, September 03, 2009

Afónico

Percorro este mundo afónico e perturbante
Este dilema prescrito em papel tão cintilante
Fúria improvável e revolta indiscreta
Um coração inquieto nas palavras do profeta

Ingénuo há um tempo, deslumbrado pela vida
Desnorteado e confuso procuro a saída
Sentimento tão mesquinho mas tão penetrante
Emoção tão querida deste pobre viajante

Não fazes por mal, não tiveste intenção
De tocar-me deste jeito, conquistar meu coração
Mas confesso já nem tento evitar o evidente
Já não tento controlar tudo que se sente

Quem escreve para dizer o que não sabe falar
Não há forma mais correcta de te poder provar
Que és aquele anjo vindo do paraíso
És calma e discreta, tudo que preciso.

Thursday, August 27, 2009

Tontices

Na vida nada é garantido. Especialmente o sentimento. Por mais que divaguemos em ilusões estereotipadas, surreais e infantis, perfeitamente arquitectadas pelo nosso inconsciente frágil, nada nos pode salvar do agridoce obstáculo do amor.
Obstáculo sim, porque sem o amor teríamos a amizade, o carinho, a segurança, sentimentos inocentes, reais e maduros. Jamais perderíamos tempo com suspiros patéticos, distracções irrisórias e calores repentinos. Não diríamos AMO-TE só por dizer nem correríamos maratonas épicas por labirintos tenebrosos. Sem o amor não teríamos raiva, ódio, ciúme, vergonha, carência nem falta de confiança. Nunca gritaríamos em alto e bom som que há alguém para nós, que são tudo, o começo e o fim, a vida e a morte. Não casaríamos, não teríamos filhos, os actos sexuais seriam desconhecidos e brigas escusadas.
Mas há amor… e com ele as SMS previsíveis, os tarifários mais baratos, os e-mails espontâneos, as palavras impensáveis, o calor corporal, as floristas, as fábricas de chocolate, os poemas, a escrita, o cinema, a música, a ópera. Com o amor o mundo é uma fonte eterna de inspiração, de musas, de caras, rostos e vida. Através do amor vive-se, sorri-se, chora-se e cresce-se. Pelo amor chateámos amigos, ganhámos confidentes, gastamos saldo. Pedimos uma segunda opinião, uma terceira, quarta e por vezes até uma quinta. O amor fez-nos reluzir, aumentou o brilho nos olhos, tornou-nos mais atraentes.
Apaixonados esquecemo-nos dos problemas, das contas, das brigas, do trânsito, do governo, das derrotas passadas. Lembramo-nos daquela pessoa, do seu sorriso, do seu gesto. Perdemo-nos em fotos e quando não as temos imaginamos a sua face na nossa mente. Ficamos disléxicos, retardados e inconvenientes. Falamos demais, de menos, ficamos sem palavras. Esquecemo-nos das loiras, das ruivas, das morenas, das alternativas, das certinhas e das rebeldes.
Por causa do amor sinto-me assim, iluminado, extasiado, frágil e desejado. Por causa do amor sofro, amo, sorrio. Se o amor é isto tudo, muito mais e nada, aceito. Porque só assim quero, preciso e exigo viver.